Sexta-feira, 31 de Outubro de 2008

Fisicamente (parte 2)

Já não me recordo bem do que fiz a seguir, lembro-me de molhar a cara, desesperada, de a massajar, de me deitar outra vez, de tomar um comprimido para me acalmar, de ligar a televisão e ouvir uma piada. Lembro-me distintamente da piada e lembro-me de instintivamente procurar o meu rosto no reflexo do vidro da porta da cozinha e de me ver sorrir, mas de um modo muito, muito vago, que não correspondia de forma nenhuma ao enorme sorriso que eu rasgava dentro da minha cabeça, forçado, alarve, à procura de uma expressão facial à altura.

Tenho a certeza de que peguei no telefone para ligar a alguém, mas lembro-me, claramente, de também pensar que não podia ligar a ninguém e dizer o que se estava a passar. Olha, estou a rir-me, estou desesperada, estou a gritar contigo ao telefone neste momento, mas tudo no meu interior, porque no espelho vejo-me calma e sossegada como ali a minha máquina de café antes de a ligar e começar o ronronar da água a ferver. De resto, foi neste momento que me ocorreu verificar o que se passava com a minha voz, para descobrir que também nela havia, hoje, uma tranquilidade falsa. Agudos e graves controlados, uma modulação leve, falseada, e quase elegante.

Comecei a fazer um esforço para me lembrar de como é que tinha dormido, se tinha demorado para adormecer, em que é que tinha pensado, se tinha sonhado. Certo foi que li, antes de adormecer, o conto do Gonçalo M. Tavares, "Perdido em Buenos Aires", publicado na última Egoísta. Recordo-me que houve uma passagem que ficou a trabalhar longamente na minha cabeça: «Era um homem de quem se dizia não dormir mais do que duas horas por dia. Estas insónias não eram provocadas por nenhum distúrbio biológico ou psicológico, eram pura consequência da vontade. O homem queria estar atento ao possível aparecimento de Deus. Não queria estar a dormir.»

[A contar mais resto... brevemente.]

publicado por Clara Umbra às 00:03
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13 comentários:
De Moyle a 31 de Outubro de 2008
não, não foi uma transformação em mulher de cera com pressão arterial. pelo menos neste momento as perspectivas continuam a não ser muito boas porque vejo a coisa encaminhar-me na direcção de uma Alexandra Solnado, dormente de barbitúricos e, quem sabe, algum Vat 69.

estou a começar a ficar com pena tua:(
De Clara Umbra a 31 de Outubro de 2008
Detesto whisky e a Alexandra Solnado é um desenho animado, não deve entrar nesta história...
De Clara Umbra a 31 de Outubro de 2008
Isto, se estivermos a falar da mesma Alexandra Solnado, claro.
De Moyle a 31 de Outubro de 2008
ok. também me apercebi do mau gosto de associar esse nome a este texto mas era aquela questão de estar à espera de Deus. nada de surpreendente em mim. enfim.

e a parte 3 para quando?
De Clara Umbra a 31 de Outubro de 2008
Ora, ora, porquê esse menosprezo? Deus não tem falado contigo?
De Moyle a 31 de Outubro de 2008
bastante frequentemente, como se poderá constatar pelas entrevistas entretanto publicadas e a publicar. é por isso mesmo que sei da charlatanice dela e daí esse mal disfarçado menosprezo
De Clara Umbra a 31 de Outubro de 2008
Pois. Já era previsível que aquela história da ubiquidade não ia terminar bem... Veremos o que acontece a esta, que é menos ambiciosa...
De Moyle a 31 de Outubro de 2008
em pulgas para ver:)
De Clara Umbra a 31 de Outubro de 2008
Ah! mas voltando ao menosprezo, e referindo-me ao de Moyle para com Moyle («nada de surpreendente em mim. enfim.»), reitero: Deus não tem falado contigo?

De Moyle a 31 de Outubro de 2008
Realmente não tem falado muito mas, por outro lado, eu também não tenho muito o hábito de falar comigo mesmo. se calhar devia fazer isso mais vezes:)
De Clara Umbra a 31 de Outubro de 2008
Eu também não, não gosto, estou sempre a interromper-me!

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