Não volto a ficar à espera do futuro. Ele nunca chega a horas.
Há dias em que não consigo contornar os problemas, tenho de os criar.
Mesmo ainda sem ter visto o novo dos Coen, digo já que dificilmente é melhor do que o Fargo – paciência, esse é o tipo de pessoa que eu sou.
E porquê – perguntam vocês – pode saber-se?
Pode. Porque, entre milhentas outras coisas, tem uma das mais belas cenas de amor da história do cinema. Não, não é uma cena de sexo, eles não são os jeitosos típicos e, embora estejam na cama, estão cheios de roupa. Norman, não muito entusiasmado, conta a Marge que o selo que ele fez foi um dos escolhidos para ser posto em circulação, mas apenas para o valor de 3 cents. Ela diz-lhe que isso é óptimo, que está muito orgulhosa dele... mas ele responde que os selos pequenos não se usam muito... E é então que ela afirma, veemente, «claro que usam, quando sobem os preços do correio, as pessoas precisam dos pequenos, quando ficam com uma data deles antigos.» «É? Se calhar...», diz ele, mais animado.
Isto assim contado não mete grande piada, mas, visto no filme, garanto-vos, é um raio de uma bela definição de amor.
Hoje, domingo, fui ao hipermercado. Sim, foi uma ideia peregrina.
Esbarrei em 79,9 pessoas – o 0,9 diz respeito a algo que não era bem uma pessoa, era um daqueles vegetais, da família das trepadeiras, que se arrastam por entre as prateleiras.
Disse "perdão" 40 vezes e "desculpe" 39 – ao vegetal não disse nada, claro, respeito a biodiversidade mas nem tanto.
– Aqui unidade especialista em charadas e e-vidências, escuto!
– Viva! Há novidades?
– Sim: cruzando as últimas notícias com as informações das capitais, cheguei ao centro SNOVA; a partir daí foi fácil.
– Eu sabia que você chegava lá, se seguisse as minhas pistas. Então e o Skywalker?
– Genial, apenas um problema de ordem estatutária em personal data... o mundo não é perfeito.
– Não é. «Eu nunca acreditei em Deus. Mesmo que exista, fez tão mal o trabalho que até admira que as pessoas ainda não o tenham processado.» Já lhe falei deste filme do...
– Woody Allen, cem vezes, a cena do funeral. «Ele não era ateu nem republicano, nem sequer democrata. Era fetichista de pés. Só me lembro de ele ter pertencido a esse grupo.»
– Ok, ok... É que é dos melhores funerais da história. Uma gajo morre e apenas foi "foot fetichist"...! Até logo, então.
– Até sempre, continuo por aqui, à espera.
Eu já achava que software era a minha cara, mas acabo de descobrir pretty html...
Nas discussões gosto de ser neutral. Quando uma pessoa não concorda comigo, neutralizo-a, servindo-me do que tenho à mão, por exemplo uma corda.
Não sabia que havia professores socialistas. Sabia que havia professores de Matemática, de Inglês...
Onde é que se tira esse curso?
Tinha uma piada tão fixe para chutar aqui, mas já me esqueci.
(E o que foi feito de ti? Lai lá lai lá lai lá...)
O domingo é um mau dia para visitar a família. Está muito concentrada, cai-me mal.
Porque o dia se presta a frases feitas, mensagens standard, mails forward e cenas do género, se querem enviar alguma coisa de jeito a alguém que queiram impressionar, enviem isto. O êxito é garantido.
Amor terreno
Quem o amor imagina, sem o conhecer,
não sabe o que perde quando imagina;
menos do que nada vale o saber
perante o que o coração nos destina.
Um rosto que se abre num sorriso
e limpa do céu todo o cinzento;
uns lábios que trazem loucura e siso
e na alma abrandam o mais alto vento.
Pode falar-se do que é o amor,
rodeá-lo de análises e teorias;
é como um cego a descrever a cor,
ou um surdo sonhando melodias.
Só quem ama conhece a verdade
em que a ilusão se faz eternidade.
Nuno Júdice, Cartografia de Emoções
Chego a casa no fim de um dia estúpido.
O dia estúpido é, por definição, aquele que não correu nem bem nem mal e cuja ausência de vida seria sonoramente assinalada por um piiiiiiiiiii, devidamente acompanhado da respectiva linha contínua, caso trouxéssemos às costas aquelas máquinas hospitalares, o que, pensando bem, seria um incómodo para a coluna e um embaraço para os nossos ouvidos, que, diante de alguém que nos despertasse emoções mais violentas – fossem elas de agrado ou desagrado – teriam de ouvir o que mais abaixo o coração lhe gritava, sem o disfarce do corpo que como cortina grossa estanca as vibrações que a cabeça não permite.
Pego num CD que já não ouço há muito tempo – e em cujas primeiras faixas o Sviatoslav Richter, num registo ao vivo feito há mais de quarenta anos, toca Prelúdios e Fugas de Bach, que é coisa capaz de, mesmo nos dias mais estúpidos, me devolver a confiança na vida, não obrigatoriamente na minha, mas pelo menos naquela que se convencionou escrever com maiúscula, como forma de a elevar à categoria de coisa geral –; aterro no sofá.
Encosto a cabeça e suspiro. Um daqueles suspiros que se dão nestas ocasiões e que, sendo diferentes de todos os outros suspiros que damos nas mais diversas ocasiões, são a expressão respiratória do pré-prazer que toma conta de nós, quando sabemos que estamos na iminência de nos sentirmos muito bem. O que sucede a seguir ninguém sabe, mas esse limiar do prazer já ninguém no-lo tira, e isto não podemos afirmar de muitas coisas no mundo.
Primeiras notas de Bach e alguém na plateia tosse (recordo que é uma gravação antiga e ao vivo). O Richter continua e uma segunda pessoa tosse, terceira, quarta, décima – toda a plateia é uma tosse convulsa e coral (é sabido que nestas coisas primárias como tossir, bocejar ou ter vontade de ir à casa-de-banho, basta alguém começar para logo toda a gente se unir numa solidariedade democrática, animal e unificadora até das almas mais desavindas).
Lembram-se da cegueira do Ensaio do Saramago que afectava toda a gente menos a mulher do médico? Eu sou a mulher do médico – todas as pessoas do mundo tossem menos eu, que, não sendo uma categoria da narrativa, dou por mim a sentir primeiro uma ligeira comichão na garganta, que logo passa a pigarro, e daí à verdadeira tosse é um salto bem mais fácil de explicar que o quântico. Depois disto, o dilúvio: na minha cabeça já só há sanatórios do Caramulo e traqueostomias, e eu, que me queixava de um dia estúpido e quase invejava ter tido um dia verdadeiramente deprimente, agora que estou num dia deprimente já só queria estar num dia simplesmente estúpido.
Não imagino o que sente o pianista porque nunca estive em tal situação – não distingo um dó de um sol, quanto mais domar um Steinway. Não sei se eles se conseguem abstrair das veleidades esofágicas e faríngicas de quem os ouve, ou se ficam com vontade de fazer estalar cada uma das cabeças que tosse debaixo do tampo do piano, como se estivessem a manipular o quebra-nozes – e aqui não me refiro ao do Tchaikovsky, mas ao objecto metálico com que se partem as nozes e que, aproveito para dizer, me lembra muito o artefacto com que a minha ginecologista me faz a citologia, aquele exame a que vulgarmente se chama Papanicolau (nome que também nunca percebi se era uma homenagem de mau tom a algum sumo pontífice, se uma designação de mau gosto que, chamando papa ao dito objecto, chama nicolau ao que cada mulher tem de mais íntimo no seu corpo).
Regresso ao momento em que entrei em casa e optei por aquele CD específico, questionando-me sobre o que teria acontecido se eu não o tivesse escolhido – como a Gwineth Paltrow naquele filmito em que, se regressa a casa, surpreende o namorado com outra, e tudo vai por água abaixo, se não regressa, fica sem saber o que se passa, mas tudo acaba por ir por água abaixo de qualquer forma.
Vejam agora como tudo é relativo e como o mundo é pequeno: água era precisamente do que aquelas gargantas precisavam de levar por si abaixo para não me lixarem o dia, que, como julgo ter demonstrado, estaria lixado de qualquer forma porque esse é o sentido de alguns dias – serem lixados.
Quadros de Cézanne, Degas, Van Gogh e Monet foram roubados, ontem, de um museu de Zurique. O ladrão era amante da Arte.
Comer caldo verde e manter a dignidade é impossível; há sempre um fio de couve que me fica, pendurado, a pingar no queixo; não é bonito de se ver.
John Gray postula que a boa-disposição é, em termos genéricos, mais importante do que a esperança.
Ora, esperança... esperança... vêm-me à cabeça imagens de freiras de viola às costas, imagens de politiqueiros em discurso...
Bom-humor... penso no bom-humor de umas quantas pessoas – ainda que sejam génios profusamente atormentados...
Não tenho dúvidas – não precisamos de quem nos diga que vai correr tudo bem, precisamos de quem nos faça correr tudo bem.
[Eh! lá, isto saiu assim um bocado à Dr. Phil, mas agora já não lhe mexo.]
Pá! Tenho de dizer que acho fixe que o Sarkozy e a Bruni (independentemente de todo o show off parolo que têm cultivado) tenham decidido casar para, de acordo com a imprensa nha nha nha (com que este blogue hoje se mistura, reconheço), contornar as obrigações protocolares a que o senhor presidente está obrigado e assim poderem... coiso à vontade deles!
Vocês vão dizer "Ah! e tal, não vai durar, o que eles querem sei eu... é uma fantochada..." Meus amigos, pensem, o que é que dura? Não tenho pachorra para argumentos moralistazinhos e atávicos.
Inscreveram-se, ponto. E eu gosto de malta que se inscreve.
Adenda: para perceberem a do "inscreveram-se", têm de ler Portugal, hoje - o medo de existir, do José Gil. Ah! pois, que uma Clara Umbra não se faz só a ler o Vida e Lazer do Sapo.
No meu estirador faltam dois quartos para o fim-de-semana.
Quando Olavo Bilac escreveu este famoso soneto, não tinha ouvido, certamente, a fantástica expressão "pular o Carnaval"... ou teria mudado de ideias quanto à Língua Portuguesa.
Eu também pulava o Carnaval, com gosto - passava do Natal para a Páscoa, directamente.
O anúncio publicitário a que hoje se refere o Produções Anacrónicas é realmente espantoso, e eu não podia deixar de me associar, de forma sentida, a essa homemagem.
Quando o vejo, só me apetece sair a urrar pelas planícies e enfiar-me no primeiro estábulo que encontrar. E eu nem sou grande frequentadora de estábulos, só lá vou mesmo quando nasce um bebé de alguém dos meus conhecimentos.
«Diana Chaves, Marisa Cruz e José Cid são os principais cartões de visita para o Carnaval deste ano no Algarve, onde não vão faltar os desfiles, bailes e teatro de revista, noticia a Lusa.» (http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?id=908426)
Adoro os cartões citados (e a metáfora original), adoro desfiles, bailes e teatro de revista, logo, não me digam mais nada que ainda desato aos pulos.
Retomado o assunto do post anterior, se as almas andassem à mostra, como as mãos, seria muito mais fácil reconhecer a alma gémea, quando a apertássemos.
P.S. Quando penso nisto, chego a compreender o drama dos morcegos que andam a ser dilacerados pelas antenas eólicas... embora eles devessem perceber que aquele romance não ia resultar e que ia ser de cortar à faca.
Eu sou uma romântica incurável. Mesmo nas comédias românticas com happy end, choro no final, porque sei que aquilo não vai durar mais de três semanas...
O Primeiro Ministro vai levar o choque tecnológico até às últimas consequências. Fonte fidedigna garante que ele afirmou pretender «limpar o ambiente de trabalho, pois há ícones que não estão a ser utilizados».