Já não me recordo bem do que fiz a seguir, lembro-me de molhar a cara, desesperada, de a massajar, de me deitar outra vez, de tomar um comprimido para me acalmar, de ligar a televisão e ouvir uma piada. Lembro-me distintamente da piada e lembro-me de instintivamente procurar o meu rosto no reflexo do vidro da porta da cozinha e de me ver sorrir, mas de um modo muito, muito vago, que não correspondia de forma nenhuma ao enorme sorriso que eu rasgava dentro da minha cabeça, forçado, alarve, à procura de uma expressão facial à altura.
Tenho a certeza de que peguei no telefone para ligar a alguém, mas lembro-me, claramente, de também pensar que não podia ligar a ninguém e dizer o que se estava a passar. Olha, estou a rir-me, estou desesperada, estou a gritar contigo ao telefone neste momento, mas tudo no meu interior, porque no espelho vejo-me calma e sossegada como ali a minha máquina de café antes de a ligar e começar o ronronar da água a ferver. De resto, foi neste momento que me ocorreu verificar o que se passava com a minha voz, para descobrir que também nela havia, hoje, uma tranquilidade falsa. Agudos e graves controlados, uma modulação leve, falseada, e quase elegante.
Comecei a fazer um esforço para me lembrar de como é que tinha dormido, se tinha demorado para adormecer, em que é que tinha pensado, se tinha sonhado. Certo foi que li, antes de adormecer, o conto do Gonçalo M. Tavares, "Perdido em Buenos Aires", publicado na última Egoísta. Recordo-me que houve uma passagem que ficou a trabalhar longamente na minha cabeça: «Era um homem de quem se dizia não dormir mais do que duas horas por dia. Estas insónias não eram provocadas por nenhum distúrbio biológico ou psicológico, eram pura consequência da vontade. O homem queria estar atento ao possível aparecimento de Deus. Não queria estar a dormir.»
[A contar mais resto... brevemente.]
Não sei muito bem por onde começar. Vejamos assim.
Esta manhã acordei com o despertador do telemóvel; levantei-me, desliguei o relógio-despertador (programado para tocar dez minutos depois do telemóvel), subi a persiana do quarto e fui à casa-de-banho. Não foi imediatamente que vi, foi depois de ter batido com o joelho no armário que está à entrada, quando me olhei ao espelho, à procura da expressão de dor.
Na fracção de segundo - fórmula fácil e inquestionável de medir o tempo cuja pequenez escapa às medidas a que nos agarrámos - que separou a percepção da dor, do olhar-me no espelho, pensei na parvoíce que me preparava para fazer e donde raio viria a curiosidade que sentimos por ver, reflectida, a nossa cara de gozo e de dor, mas não cheguei a conclusão nenhuma, porque as minhas inquietações, lentas e ensonadas, foram interrompidas pela ausência do que procurava: olhei-me no espelho e não vi a expressão de dor. Olhei mais atentamente, e nada; pior, não estava lá também a expressão da procura, o arregalar dos olhos, a sombra escura do pânico no fundo do olhar... nada. Vi-me aproximar do espelho e vi-me afastar duas ou três vezes seguidas, mas nem um leve estreitar de olhos, nem o mais remoto trejeito de boca, o mais rápido franzir de nariz, nada, nenhuma destas expressões linguísticas que classicamente fixaram as nossas expressões faciais tinha um correspondente no meu rosto. Não obstante o emaranhado de pensamentos que me contorcia, a minha cara mantinha-se impassível e - parece-me, agora que penso nisso com mais calma - os meus gestos de aproximação e distanciação do espelho eram muito mais calmos do que eu os executava interiormente. Não tinham tempo, era isso, os meus gestos, naquele momento, não tinham tempo, não tinham o seu tempo. Parecia-me que não tinha saído da cama, que estava lá, deitada, virada para cima, olhos abertos, a viver qualquer coisa que não passava para fora, e, no entanto, ali estava eu, na casa-de-banho, a esfregar o joelho magoado.
[A contar o resto... brevemente.]
penso que a questão que importa colocar hoje é:
é ou não verdade que Quique Flores (o treinador mais jeitoso do campeonato português e arredores) usa eyeliner?
Venham o Zéfiro, o Bóreas, o Eurus e o Notus
que a doce musa está em pranto
a noite é escura e fria para ela
e nada é mais amargo que o seu canto.
No nono mês teve ela no computador
um aziago e fatal curto-circuito
agora foi o do carro alternador
em mais um acontecimento fortuito.
Queimou-se a peça, derreteu
e não havendo possível salvação
comunicou-lhe o mecânico duro e frio
que quatrocentos euros não chegarão.
Oh Atena dos olhos garços
onde estás tu nesta hora?
Que qual Ifigénia se sacrifica
Clara Umbra sem demora!
Olha à sua volta em casa
procura algo antigo e portento
para levar ao Antiques Roadshow
e ganhar algum alento.
Vem-lhe Campos e segreda
"Come chocolates, pequena"
E Clara Umbra apenas murmura
Não, Álvaro, isso não me serena.
"Verde que te quero verde"...
Vem Garcia Lorca em alta grita
mas interrompe-o Clara Umbra
Federico, não me deixes mais aflita!
Aproxima-se da sua janela
qual Joaninha em desespero
o cru suicídio pondera
quem nunca antes sonhou fazê-lo
Olha a alta e grande lua
(espreitem hoje o céu e vê-la-ão)
e ouve Reis lembrar-lhe que
" em cada lago a lua toda
brilha, porque alta vive"
Oh, Ricardo, amigo, hoje, não!
E à janela ouve ainda
o grande Gastão Cruz
"Na poesia procuro uma casa onde o eco
existe sem o grito que todavia o gera."
Recolhe-se então Clara Umbra.
Está fresco, não é noite para se matar.
Calça umas meias, veste um casaco
Abre o PC e vai mas é blogar.
Eu trabalho numa organização, ou melhor, numa mega-organização, que tem os seus departamentos, de acordo com um organigrama pré-estabelecido e as planificações dos trabalhos. Somos bons, sossegados mas proactivos, temos recursos, objectivos, projectos, actas, pareceres, relatórios, resultados e uma máquina de tirar cafés bastante aceitável (La Cimbali). Trabalhamos em rede, passamos o dia a fazer ligações (e, para variar, uma vez ou outra, hiper-ligações), estamos todos ligados (linkados... online...) e monitorizamo-nos de forma efusiva (fumamos um cigarro no fim). Ah! Também temos líderes! Líderes que nos conduzem e que têm uma autoridade que conquistaram com naturalidade e clara superioridade face a todos os outros. Quando acabamos o dia de trabalho, dobramo-nos e vamos para o contentor adequado, para a reciclagem (eu para o verde — uma garrafa é sempre uma belíssima companhia de fim de dia, embora também tenha de aturar os frascos de cenas pirosas e mal cheirosas tipo as salsichas). A nossa organização passou os testes da ASAE, é avaliada interna e externamente e tem certificação para a qualidade e para a assepsia. Graças a ela, eu nunca estou só e é tão bom não estar só no mundo, a solidão assusta-me. E, sobretudo, não me sinto Eu, sinto-me Nós, mas sem esquizofrenia, há lá felicidade maior?
O que eu gosto deste blogue, senhores!
Rhonda Byrne, a autora de O Segredo, vai escrever o segundo volume desse incontornável edifício literário (andei a ver o Câmara Clara) em Portugal. Fontes próximas da escritora revelaram ao 494 que ela está maravilhada com a forma como a Lei da Atracção leva ex-ministros portugueses para empresas privadas de áreas que tutelaram no passado. «Toda a beleza do Cosmos num pequeno país», disse ela em inglês.
O PSD é contra o casamento homossexual, mas dá liberdade de voto - convicto de que não haverá azar. O PS é contra e impõe disciplina de voto - tem ideia de que o diabo pode tecê-las. No fundo, é a velha história de que na direita estão as convicções e na esquerda as ideias, mas revisitada.