Domingo, 29 de Novembro de 2009

E aqui nasceu o silêncio

No dia seguinte não conseguia ouvir nada. Estava enjoado de sons, entupido de ruídos. Sentia um eco contínuo a atordoá-lo. Aproximou-se de um lago e puxou de cada ouvido um rolo de músicas: wish you were over the rainbow don't you forget I dye a little... Quando terminou foi como se lhe tivessem nascido orelhas novas.

publicado por Clara Umbra às 23:16
link do post | comentar | ver comentários (5)
Sexta-feira, 27 de Novembro de 2009

You make me smile with my heart

Porque o amor é isto: um céu de ininterrupto azul e um sol de contínuo calor. Tudo o resto será teoria ou poesia... não é a vida.

publicado por Clara Umbra às 23:53
link do post | comentar
Quarta-feira, 25 de Novembro de 2009

Migration of Spirit

Na penúltima carruagem do comboio viajavam os que usavam obsessivamente telemóveis, leitores de música e outros aparelhos electrónicos. Há muito que ficara provado que eram nocivos para a saúde e a Ordem Médica Mundial emitira um conjunto de recomendações que incluía a disposição de todas as pessoas que sofriam de algum tipo de patologia nos meios de transporte públicos.

A antepenúltima carruagem, onde este homem acabou por se sentar, entalado entre uma Alhambra e um Steinway vertical, era reservada a todos os que tinham contraído a mais recente epidemia que assolava a sociedade, uma espécie de demência que os fazia acreditar que eram instrumentos musicais ou dispositivos electrónicos utilizados na música.

Quando o comboio parou na estação e o homem, acompanhando o solavanco da travagem por inércia, se inclinou levemente para a direita, todas as cordas de nylon da vizinha do lado se arrepiaram de prazer.

publicado por Clara Umbra às 17:13
link do post | comentar | ver comentários (1)
Sábado, 21 de Novembro de 2009

Diz

Ultimamente acontecia-lhe com frequência.

Acordava a meio da noite com a cabeça cheia de palavras, de versos inteiros, de versos partidos, dodecassílabos, se era mais próximo da manhã, apenas um hemistíquio, se ainda era noite.

Levantava-se e andava pela casa, atordoada de sílabas, à procura da palavra certa – se a não encontrava dentro de si nas lombadas dos livros, nos nomes dos objectos, nos títulos de álbuns, nas imagens da televisão sem som.

Quando amanhecia e saía de casa, ouvia as pessoas falar e não prestava atenção ao que diziam, contava-lhes as sílabas métricas. Todos os sons da rua correspondiam a troqueus, iambos, dátilos e anapestos.

Cada hora passou a ser uma página de um imenso livro onde era urgente escrever mais uma palavra. Cada vez que olhava para fora de si via linhas por encher e cada vez que olhava para dentro de si via palavras por alinhar.

publicado por Clara Umbra às 17:15
link do post | comentar
Sexta-feira, 20 de Novembro de 2009

Irás ao paço, irás pedir a tença

- Dizei, o que quereis?

Diante do rei, a jovem explicou:

- Construir uma máquina que nos permita viver em diversas pistas temporais: o meu tempo será o tempo da minha mãe, e o da minha avó, e o da minha bisavó... e eu continuarei a ser eu, e a filha dela, e a neta dela, e a bisneta dela... Entraremos e sairemos de cada painel  do tempo quando quisermos, sem poder alterar, nunca, a história. Olharei para todas elas como agora olho as estrelas e no entanto elas já desapareceram há milhares de anos.

publicado por Clara Umbra às 15:01
link do post | comentar

Pergunta tu ao tempo quanto tempo o tempo tem

Um dia deixou cair alguns anos na alameda que conduzia a sua casa e os liquidâmbares que no outono passado não tinham mais do que uns palmos douraram a tarde. Falou-se muito de alterações climáticas por essa altura. Procuram-se sempre explicações bizarras para as coisas simples.

publicado por Clara Umbra às 09:44
link do post | comentar | ver comentários (1)
Quinta-feira, 12 de Novembro de 2009

Solo de tablas em Picadilly

 

O homem subiu à acrópole.

 

De lá, ouvia todas as tablas do mundo ribombar ao compasso do seu coração.

Via luzes fluorescentes, que tentava seguir com o olhar, mas que se perdiam no meio de datas e de rostos cruzados na memória (ao ritmo das tablas que ribombavam ao compasso do seu coração).

 

Ouvia também a respiração das frases que tencionava dizer, mas que não chegava a pronunciar, porque se perdiam por entre ecos, reverberações e tablas da memória.

 

Quando se atirou, deixou de ouvir as tablas para só ouvir a respiração do coração.

 

Quando o corpo caiu no chão, foi o eco da memória que se ouviu.

publicado por Clara Umbra às 17:28
link do post | comentar | ver comentários (7)
Sexta-feira, 6 de Novembro de 2009

Ignoto deo

Era um homem muito religioso. Oferecia presentes e sacrifícios pessoais a diversos deuses, em troca de respostas, numa estranha hierarquia: pedia a um segundo para a eventualidade de o primeiro não o atender, a um terceiro, para suprir alguma falha do segundo, e por aí em diante. Quando esgotava todos os que conhecia e as suas preces não eram ouvidas, subia ao monte e pedia a um deus desconhecido, receando que houvesse deuses em falta. Ele procurava razões e sentidos e explicações para as coisas. Ora não se pode procurar razões e sentidos e explicações para as coisas. Se se encontra, excelente, procurar não vale. É como procurar uma moeda no chão. Conheço pelo menos cinco pessoas que encontraram dinheiro no chão e nenhuma delas estava à procura, mas todas deram conta de que o tinham encontrado.

publicado por Clara Umbra às 00:47
link do post | comentar | ver comentários (12)
Quarta-feira, 4 de Novembro de 2009

Cantiga da ceifa

Bateram à porta. Há três anos que ninguém o visitava, ninguém o procurava, ninguém lhe telefonava. Abriu. As leis eram claras: pessoa que fique três anos sem que ninguém a reclame é desmontada para peças. Quando as leis são claras e justas não se questionam e ele não era um arruaceiro.

publicado por Clara Umbra às 17:21
link do post | comentar | ver comentários (4)

INTRO

DISCLAIMER

Este é um blogue de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência. Ou fruto da imaginação do(a) leitor(a) - o que é bom.

SEHNSUCHT

BACKYARD

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Dezembro 2015

Julho 2015

Maio 2015

Dezembro 2014

Setembro 2014

Fevereiro 2014

Dezembro 2013

Julho 2013

Novembro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

EMBERS

blogs SAPO

subscrever feeds