O cansaço dos dias presentes esgota as horas mas não o nosso tempo. As coisas tangíveis e tensas vizinham com o teu sorriso, que as dissolve num abrir e fechar de compassos e rege os calendários. Quando pudermos descansar havemos de não parar para continuar a correr – digo-te. Correr é um verbo bom, exprime uma acção que leva tempo, que demora, e que pode ser feita a dois. Já morrer, por exemplo, demora um segundo e morre-se a sós – e só por isso já não me interessa.
– Vê como tudo começa devagar.
– O quê?
– O mundo. O mundo inteiro. Aqui. O mundo inteiro a começar, devagar, vem ver!
– Oh! É assim que os mundos começam?
– Os maiores começam assim, os da viragem. Vê: inteiramente azul, sólido, imenso, a girar suavemente sobre si próprio, não obstante a velocidade estonteante. Dir-se-ia que está desprendido de todo o universo e no entanto tem o universo preso a ele.
São olhos que não querem ser lagos, como na poesia, não querem assistir a naufrágios, nem espelhar o céu. São olhos que querem, antes, ser terra castanha, onde te deites e descanses à sombra das pestanas. Sabes que elas se abrem e fecham para te refrescar e, como ponteiros, marcam os segundos da tua vida que passa.
São olhos que não querem ser lagos, como na poesia, porque não te querem perder neles, querem encontrar-te – não querem ser álcool, querem ser musa.
São olhos que querem ser o que já são.