(foto Clara Umbra)
“O mundo é uma representação minha.” (A. Schopenhauer)
"Vermos o que está à frente do nosso nariz implica uma luta constante." (G. Orwell)
*José Saramago
(foto Clara Umbra)
Não há mais sublime sedução do que saber esperar alguém.
Compor o corpo, os objectos em sua função, sejam eles
A boca, os olhos, ou os lábios. Treinar-se a respirar
Florescentemente. Sorrir pelo ângulo da malícia.
Aspergir de solução libidinal os corredores e a porta.
Velar as janelas com um suspiro próprio. Conceder
Às cortinas o dom de sombrear. Pegar então num
Objecto contundente e amaciá-lo com a cor. Rasgar
Num livro uma página estrategicamente aberta.
Entregar-se a espaços vacilantes. Ficar na dureza
Firme. Conter. Arrancar ao meu sexo de ler a palavra
Que te quer. Soprá-la para dentro de ti -------------------
----------------------------- até que a dor alegre recomece.
Quem foi que à tua pele conferiu esse papel
de mais que tua pele ser a pele da minha pele?
Cintilação de luas
assim que te desnudas
às escuras
Diante do teu ventre
como não dizer “sempre”
novamente.
Ó lâmina e bainha
de outra espada ainda
Tua língua
Ruge. Reprende. Arrasa
Desde que sempre o faças
com as asas
Vem dos arcanos de outro tempo
ou dos anéis de outra galáxia
esta espessura transparente
que só na cama as almas ganham
David Mourão Ferreira, Pequenos poemas
É capaz de ser o melhor gif de sempre, é um western spaghetti com gato em coda, sou eu em countdown.
Eric Cahan (The Lightning Field, NM ; Sunset 7:52pm)
Deus é um boomerang
e eu sou a sua filha pródiga
Adília Lopes
(foto Clara Umbra)
Imagino este momento à meia-noite na floresta:
Outras coisas vivem
Para além da solidão do relógio
E desta página em branco onde os meus dedos se movem.
Pela janela não vejo estrelas:
Algo mais próximo
Mas fundo na escuridão
Vai entrando na solidão:
Frio e delicado como a escura neve,
Um nariz de raposa aflora um caule, uma folha:
Dois olhos fazem um movimento breve
E de novo breve, breve, breve
Deixa claras impressões na neve,
Entre as árvores. Hesitante,
Uma sombra avança devagar,
Acoitada em troncos e buracos,
A sombra de um corpo que ousa revelar-se
Através das clareiras, um olho,
Uma crescente verdura escurecente,
Brilhantemente, concentradamente
Ocupada a tratar da vida
Até que, com um súbito e intenso odor a raposa,
Entra no buraco negro da cabeça.
A janela ainda está sem estrelas; tiquetaque, faz o relógio,
A página está impressa.
Ted Hughes, The Hawk in the Rain
Música: Filho da Mãe; Letra: André Henriques; interpretação: Cristina Branco.