Venham o Zéfiro, o Bóreas, o Eurus e o Notus
que a doce musa está em pranto
a noite é escura e fria para ela
e nada é mais amargo que o seu canto.
No nono mês teve ela no computador
um aziago e fatal curto-circuito
agora foi o do carro alternador
em mais um acontecimento fortuito.
Queimou-se a peça, derreteu
e não havendo possível salvação
comunicou-lhe o mecânico duro e frio
que quatrocentos euros não chegarão.
Oh Atena dos olhos garços
onde estás tu nesta hora?
Que qual Ifigénia se sacrifica
Clara Umbra sem demora!
Olha à sua volta em casa
procura algo antigo e portento
para levar ao Antiques Roadshow
e ganhar algum alento.
Vem-lhe Campos e segreda
"Come chocolates, pequena"
E Clara Umbra apenas murmura
Não, Álvaro, isso não me serena.
"Verde que te quero verde"...
Vem Garcia Lorca em alta grita
mas interrompe-o Clara Umbra
Federico, não me deixes mais aflita!
Aproxima-se da sua janela
qual Joaninha em desespero
o cru suicídio pondera
quem nunca antes sonhou fazê-lo
Olha a alta e grande lua
(espreitem hoje o céu e vê-la-ão)
e ouve Reis lembrar-lhe que
" em cada lago a lua toda
brilha, porque alta vive"
Oh, Ricardo, amigo, hoje, não!
E à janela ouve ainda
o grande Gastão Cruz
"Na poesia procuro uma casa onde o eco
existe sem o grito que todavia o gera."
Recolhe-se então Clara Umbra.
Está fresco, não é noite para se matar.
Calça umas meias, veste um casaco
Abre o PC e vai mas é blogar.