Quinta-feira, 30 de Outubro de 2008

Fisicamente (parte 1)

Não sei muito bem por onde começar. Vejamos assim.

Esta manhã acordei com o despertador do telemóvel; levantei-me, desliguei o relógio-despertador (programado para tocar dez minutos depois do telemóvel), subi a persiana do quarto e fui à casa-de-banho. Não foi imediatamente que vi, foi depois de ter batido com o joelho no armário que está à entrada, quando me olhei ao espelho, à procura da expressão de dor.

Na fracção de segundo - fórmula fácil e inquestionável de medir o tempo cuja pequenez escapa às medidas a que nos agarrámos - que separou a percepção da dor, do olhar-me no espelho, pensei na parvoíce que me preparava para fazer e donde raio viria a curiosidade que sentimos por ver, reflectida, a nossa cara de gozo e de dor, mas não cheguei a conclusão nenhuma, porque as minhas inquietações, lentas e ensonadas, foram interrompidas pela ausência do que procurava: olhei-me no espelho e não vi a expressão de dor. Olhei mais atentamente, e nada; pior, não estava lá também a expressão da procura, o arregalar dos olhos, a sombra escura do pânico no fundo do olhar... nada. Vi-me aproximar do espelho e vi-me afastar duas ou três vezes seguidas, mas nem um leve estreitar de olhos, nem o mais remoto trejeito de boca, o mais rápido franzir de nariz, nada, nenhuma destas expressões linguísticas que classicamente fixaram as nossas expressões faciais tinha um correspondente no meu rosto. Não obstante o emaranhado de pensamentos que me contorcia, a minha cara mantinha-se impassível e - parece-me, agora que penso nisso com mais calma -  os meus gestos de aproximação e distanciação do espelho eram muito mais calmos do que eu os executava interiormente. Não tinham tempo, era isso, os meus gestos, naquele momento, não tinham tempo, não tinham o seu tempo. Parecia-me que não tinha saído da cama, que estava lá, deitada, virada para cima, olhos abertos, a viver qualquer coisa que não passava para fora, e, no entanto, ali estava eu, na casa-de-banho, a esfregar o joelho magoado.

[A contar o resto... brevemente.]

publicado por Clara Umbra às 08:13
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8 comentários:
De escrevinhadora a 30 de Outubro de 2008
Ui! chegaste à fase 'Alice no outro lado do espelho'... Agora, é assim: ou vais a correr à procura das fotos dos (teus) anos 20 ou... marimbas-te olimpicamente em tudo o que for exterior a ti. Porque, no fundo, no fundo, todos temos um 3º olho - às vezes é vesgo, mas enfim...
De sangue azul a 30 de Outubro de 2008
Perdoe, Escrevinhadora, mas acho que é mais a fase Molly Bloom... o pensamento é muito mais rápido que a vontade de o controlar...
De Clara Umbra a 30 de Outubro de 2008
Escrevinhadora, não sei se já conhecia o meu psiquiatra... Escrevinhadora / sangue azul: considerem-se apresentados.
De guiga a 30 de Outubro de 2008
Mulher, tu ainda estavas meia a dormir, cheia de remela nos olhos... Achas que vias alguma coisa de jeito? loooooooooool
Ok, eu espero pelo resto da história! :P
*.*
De Clara Umbra a 30 de Outubro de 2008
A ver vamos.
De Moyle a 31 de Outubro de 2008
ainda não li a 2ª parte mas, por favor, não nos digas que te transformaste na Lili Caneças ou, horror dos horrores, na Manuela Moura Guedes.
De Clara Umbra a 31 de Outubro de 2008
Não temas.
De Moyle a 31 de Outubro de 2008
já estou mais descansado:)

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