Quando o jovem Jorge V. decidiu estudar Medicina, não o fez com a intenção de vir a salvar ou a curar quem quer que fosse. Não pensava sequer no tempo posterior à conclusão dos estudos. O que o jovem Jorge V. queria era conhecer o homem. Conhecer o homem enquanto matéria que significa. Conhecê-lo por dentro, a fundo, saber tudo o que o constitui e como todos os constituintes se relacionam de forma a produzir esse todo que é o homem, que vive e respira e se move e pensa e se emociona. Muitas vezes ele dizia que queria ser como o estudioso da língua que conhece a fundo uma língua natural, que conhece cada som, cada letra, a forma como se combinam para constituir uma sílaba e uma palavra, a forma como as palavras se combinam em frases, o modo como as frases se combinam num texto, a relação entre todos os textos de uma língua, e destes com os textos de todo o mundo.
Quando completou o seu curso, porém, e de forma particular no estágio, apercebeu-se de que havia coisas que lhe faltava perceber no homem-matéria. Queria conhecer a evolução de um homem, determinado, ao longo do tempo; conhecer as reacções dos homens ao que ele, homem também, mas do lado de cá, lhes fazia, saber que efeito poderia ele ter nessa matéria que durante anos estudara.
Assim, tornou-se médico. Como o estudioso da língua se pode tornar professor. Para ver a sua matéria-prima viver. E errar.
(cont.)