Ultimamente acontecia-lhe com frequência.
Acordava a meio da noite com a cabeça cheia de palavras, de versos inteiros, de versos partidos, dodecassílabos, se era mais próximo da manhã, apenas um hemistíquio, se ainda era noite.
Levantava-se e andava pela casa, atordoada de sílabas, à procura da palavra certa – se a não encontrava dentro de si – nas lombadas dos livros, nos nomes dos objectos, nos títulos de álbuns, nas imagens da televisão sem som.
Quando amanhecia e saía de casa, ouvia as pessoas falar e não prestava atenção ao que diziam, contava-lhes as sílabas métricas. Todos os sons da rua correspondiam a troqueus, iambos, dátilos e anapestos.
Cada hora passou a ser uma página de um imenso livro onde era urgente escrever mais uma palavra. Cada vez que olhava para fora de si via linhas por encher e cada vez que olhava para dentro de si via palavras por alinhar.